País deve buscar 1º lugar no Parapan de Guadalajara, afirma docente da FEF Sílvio Anunciação
A pouco menos de um mês para o seu 4º Parapan – os Jogos de Guadalajara 2011, no México – o Brasil entra na disputa em patamar de igualdade com países de ponta, como Estados Unidos e Canadá. O evento contará com 225 atletas brasileiros disputando classificações para as Paraolímpiadas de Londres, em 2012. De 37º colocado na Paraolimpíada de Atlanta, em 1996, o país galgou o posto de top ten, ocupando a 9ª colocação na Paraolimpíada de Pequim, em 2008. Os excelentes resultados alcançados têm muita ciência por trás. Há mais de duas décadas docentes, pesquisadores e alunos da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp trabalham no sentido de aliar ciência à preparação de atletas paraolímpicos.
Hoje, a Faculdade é referência nacional na área do desporto adaptado. Docentes e alunos já integraram diversas vezes as comissões técnicas da Seleção Brasileira e tiveram envolvimento direto nos resultados obtidos. Este ano, cinco alunos da Faculdade participarão da Comissão Técnica Brasileira nos Jogos de Guadalajara.
Para o professor da FEF, José Júlio Gavião de Almeida, membro da equipe que esteve nas Paraolimpíadas de Sidney (2000) e Atenas (2004), o país buscará a primeira colocação no Parapan de Guadalajara, “o que também não é fácil porque têm países de tradição, como Estados Unidos e Canadá. São países, inclusive, qualificados entre os dez nas Paraolimpíadas”.
Gavião de Almeida responde atualmente pela coordenação da Academia Paraolímpica Brasileira, criada este ano como resultado de uma aproximação maior entre a academia e o desporto adaptado nacional. “Essa relação entre a academia e o esporte adaptado veio se estreitando e o resultado está nítido, com a criação da Academia Científica do Comitê Paraolímpico, da qual eu sou coordenador. Um dado interessante é que o maior número de pessoas integrantes dessa Academia é da Unicamp”, afirmou.
O docente e pesquisador, ex-atleta de taekwondo, concedeu a entrevista ao Portal da Unicamp na FEF, auxiliado pelo aluno Diego Henrique, um dos integrantes da comissão técnica que irá ao México. Da sua sala, onde ao fundo se vê um banner com a foto do sul-africano Oscar Pistorius – o primeiro amputado a competir em alto nível em um mundial para atletas sem deficiência – Gavião de Almeida fez um balanço sobre a relação entre academia e o esporte adaptado no país. Também explicitou os objetivos da recém criada Academia Científica; falou sobre a expectativa em relação a medalhas para este Parapan e sobre a preparação e o desenvolvimento do esporte adaptado no Brasil.
Portal Unicamp – Como está a expectativa em relação a medalhas para este Parapan?
José Julho Gavião de Almeida – Olha só, o Brasil ficou em 37º na Paraolimpíada de Atlanta, em 1996. Em Sidney, ficou em 24º. 14º em Atenas. E em Pequin, o Brasil ficou no top ten, ocupando a 9ª colocação. Ficar em 9º, inclusive com países que têm uma cultura esportiva como Alemanha e Espanha, não é fácil. Para o Brasil se manter entre os dez colocados nas Paraolimpíadas de Londres vai ser muito difícil. A meta é ficar entre os sete em Londres. No último Parapan, o Brasil ficou com a 1ª colocação. A ideia é tentar manter essa marca, o que também não é fácil porque têm países de tradição, como Estados Unidos e Canadá. São países, inclusive, qualificados entre os dez nas Paraolimpíadas.
Portal Unicamp – Há mais de duas décadas o senhor e outros professores aqui da FEF vêm trabalhando no sentido de aliar ciência à preparação de atletas paraolímpicos. Qual o balanço até agora?
Gavião – Eu não vim do esporte adaptado. Aliás, a Educação Física até bem pouco tempo era muito tecnicista. A gente conhecia esporte, gostava de esporte e vinha fazer educação física. A educação física hoje é muito mais ampla do que isso. Por exemplo: o esporte pode não ser inclusive o melhor meio para a educação física. Mas você não tenha dúvida que é o maior, veja a Copa do Mundo, Olimpíadas, o quê representa o esporte. Mas se você pegar um bebê, um idoso, uma criança, às vezes, para eles é melhor fazer outra coisa: ginástica ou outro tipo de atividade que não seja necessariamente o esporte. Mesmo assim, o esporte não é somente aquilo que a gente vê na televisão, que é o esporte de alto rendimento. Nós temos o esporte de alto rendimento, o esporte lazer e o esporte escolar. E o esporte de alto rendimento é tão fascinante, tão grandioso, que ele até é perigoso, com o risco de o professor levar aquilo que está na televisão para a sala de aula. Tem que ter um tratamento diferente.
Eu vim para a educação física pelo esporte, eu praticava taekwondo, mas nem fazia ideia desse trabalho com as pessoas com deficiência. Um dos docentes, já aposentando, o professor José Luiz Rodrigues, abriu uma disciplina aqui na Universidade chamada “Educação Física para Todos”. Ele falava que, às vezes, a pessoa que mais precisa da educação física é quem tem menos oportunidade, o gordinho, o baixinho, o deficiente… e o professor de educação física só pega os ‘melhorzinhos’. Para surpresa desse professor, apareceu uma aluna que era deficiente na cadeira de rodas. Essa mesma aluna acabou trazendo outros alunos e aí nós fizemos um grupo de extensã. O primeiro evento foi um festival, pensado como um laboratório para as atividades de ensino. Terminou o festival, e montamos uma competição para deficientes intelectuais, com a ideia de não haver distância entre nossas pesquisas e a relação disso para a sociedade.
E aí, essa relação entre a academia e o esporte adaptado veio se estreitando. O resultado está nítido, com a criação da Academia Científica do Comitê Paraolímpico, da qual eu sou coordenador. Um dado interessante é que o maior número de pessoas integrantes dessa Academia é da Unicamp. Essa relação ensino, pesquisa e extensão se deu lenta, mas em função da necessidade de se fazer isso com uma base sólida. Não dá pra negar: se fosse em outro lugar, talvez isso não acontecesse. Então, esse espírito de cobrança e, ao mesmo tempo, de liberdade que a nossa Universidade dá aos professores é que fez com que isso acontecesse. Era um tema novo que a gente teve plena liberdade e apoio para se aproximar cada vez mais e produzir.
Portal Unicamp – Qual é exatamente o trabalho da Academia Científica?
Gavião – A Academia tem feito várias ações de suporte ou desenvolvimento do esporte paraolímpico, tanto para com as pesquisas, para com os congressos e, recentemente, para com a qualificação do corpo que já existe no Comitê Paraolímpico. Com o quê o Comitê Paraolímpico estava preocupado? Nós temos o Rio 2016. Normalmente nós temos um ciclo de quatro anos, que é entre uma Olimpíada e outra. Você tem que decidir sua vaga nos primeiros dois ou máximos três anos. Com o Rio 2016, sobraram pelo menos oito anos para o Brasil se preparar. Então, não vamos trabalhar somente com os atletas prontos. Nós temos que ‘formar’ atletas, e isso significa também qualificar o técnico, o guia que vai correr com ele, o classificador. Essa aproximação num dado momento com a Unicamp se estendeu a outras universidades e essa aproximação do esporte de alto rendimento é tão concreta que eles criaram a Academia Paraolímpica Brasileira. E para sorte nossa, nós temos outros dois membros, o professor Irineu Gorla e o professor Edison Duarte.
Portal Unicamp – Como o senhor analisa a preparação e o desenvolvimento do esporte adaptado no Brasil em relação a outros países que tem uma cultura esportiva mais desenvolvida?
Gavião – Respondo a sua pergunta com um dado: nós passamos da posição de 37º em Atlanta para 9º em Pequim. Vale lembrar ainda que o Brasil conquistou essa façanha através desse envolvimento cada vez mais representativo de trazer as Olimpíadas e Paraolimpíadas para cá. Até um determinado momento, não era só uma questão política trazer uma Olimpíada para cá. São vários países que têm que fazer todo um programa, um planejamento, têm que fazer um grande projeto que envolve uma porção de coisas. Isso vai desde segurança, legado que vai deixar para a cidade, têm garantias de sustento financeiro etc.
Depois dessa disputa ficam poucos países. Aí eu acredito que realmente seja uma definição política porque envolve o voto dos membros do Comitê. E hoje um grande evento como uma Paraolimpíada é tão cheia de riqueza, riqueza política, financeira, tecnológica… Dizer que o Brasil conseguiu um espaço como este tem um grande significado. E o resultado a campo tem se mostrado presente, tanto que o país está entre os dez melhores. Lembrando que, tanto os outros nove países à frente como o que estão atrás, têm uma cultura do paradesporto muito maior que o Brasil. A cultura paradesportiva do Brasil ainda é recente.
Portal Unicamp – A FEF tem sido referência no país nos estudos sobre o esporte adaptado. Como está o interesse de novos pesquisadores e atletas?
Gavião – A FEF realmente é pioneira nessa intersecção entre pesquisa e desenvolvimento do paradesporto. A Faculdade de Uberlândia tem até um trabalho mais antigo do que a FEF, mas é uma relação mais preeminente de ensino e extensão, mesmo porque eles não têm programa de pós-graduação. Nessa linha de pesquisa e desenvolvimento do esporte paraolímpico a FEF é pioneira. Não é mais a única, ainda bem, porque justamente o quê a Academia Paraolímpica quer é apoiar e incentivar para que cada vez haja mais pesquisadores.
Vou dar um exemplo que responde bem sua pergunta. Nós tivemos os Jogos Paraolímpicos Escolares em São Paulo este ano. Foi o maior evento mundial dessa natureza. Foram mais de 1000 atletas. Então, o Brasil tem não só subsidiado os medalhistas, mas também estimulado a população que quer praticar esporte.