Até medalhista olímpico pena para obter apoio
Sete meses após Pequim-08, brasileiros que foram ao pódio experimentam pouca ou nenhuma mudança na carreira
Sonhada melhoria de vida e de treinamentos após a conquista de medalha não vira realidade e põe em risco chegada a Olimpíada-2012
Pouco antes dos Jogos de Pequim, o técnico de Márcio e Fábio Luiz descobriu que sua equipe estava sem patrocínio. Às portas da Olimpíada, a notícia faria desmoronar o sonho de medalha. Por isso guardou segredo, certo de que, se os pupilos fossem ao pódio, a falta de ajuda não seria mais problema.
A dupla se superou e faturou a prata, melhor resultado do vôlei de praia do país no evento. Mas a previsão do técnico não se confirmou. Mais de sete meses depois do feito, os atletas não encontram quem os ajude a atingir novas façanhas.
A dificuldade não é única. Medalhistas do país nos Jogos de 2008 ainda encontram dificuldade para treinar e viver, bem, do esporte. A sonhada melhoria após a conquista da medalha não virou realidade para garantir a chegada a 2012.
“Em outros países, atleta que nem medalhista foi tem condições melhores, e nós ficamos nessa agonia”, diz Fábio Luiz.
Já a velejadora Fernanda Oliveira deixa de treinar para ir a reuniões de negócios. “Achei que, no dia em que ganhasse a medalha, tudo melhoraria. Foi legal, me deu satisfação pessoal, mas é frustrante”, diz ela, que, ao lado de Isabel Swan, obteve bronze na China, primeiro pódio feminino do país na vela.
Nos quatro anos até a Olimpíada, a dupla da 470 teve apoio de uma empresa que não renovou o patrocínio. A própria parceria entre as atletas se desfez.
“Por ser medalhista, muitos se interessam, mas alegam que, com a crise, não estão investindo. Até na lei de incentivo é difícil. Todos querem o filé mignon [exposição na Olimpíada]. Se fosse ouro, seria diferente.”
A experiência vivida por Robert Scheidt em 2004 mostra que a cor da medalha pode, sim, influenciar. Ao ser ouro em Atenas, o velejador viu seus rendimentos subirem na medida do reconhecimento. Já a prata em Pequim não teve esse efeito, apesar de ter sido sua primeira Olimpíada na classe star, após a hegemonia na laser. “Vivemos a cultura do futebol, o vice é o primeiro perdedor. O reconhecimento pela medalha é maior lá fora”, diz Cecília Yoshizawa, empresária do atleta.
Scheidt manteve seus principais patrocinadores, mas perdeu dois deles. Já sua mulher, Gintare Volungeviciute, deixou a China com a mesma prata e se tornou celebridade na Lituânia. Só de presente de um patrocinador, ganhou uma BMW.
Até quem viveu a glória máxima na Olimpíada e quebrou tabus não teve a sorte esperada.
César Cielo, primeiro campeão olímpico da natação nacional, ganhou aumento de patrocinador, maiô sob medida e mais apoio do clube, fez palestra e atuou em eventos. Mas, radicado nos EUA, ainda não ostenta autonomia para viajar e competir -depende da confederação ou do Pinheiros.
Após os oito ouros no Pan-07, por exemplo, Thiago Pereira virou garoto-propaganda de uma instituição bancária. Cielo não fechou acordo semelhante.
Devido ao patrocínio do Banco do Brasil, as seleções de vôlei, ouro no feminino e prata no masculino, ainda mantêm técnicos badalados e terão de penar só para repor nomes como Gustavo e Fofão, que deixaram os times. Mas os clubes sofrem, mesmo com a volta de estrelas.
E, ao mesmo tempo que abrigam medalhistas, como os judocas Leandro Guilheiro e Tiago Camilo, bronze em Pequim e ainda atletas do Pinheiros, os clubes lutam para abocanhar verba da Lei Piva, hoje dada ao COB e, de lá, às confederações.
Isso contribui para que atletas tentem sozinhos obter condições de se manter em alta até 2012, como Natália Falavigna.
Após o bronze inédito, a lutadora se desdobrou em Londrina para criar uma academia de taekwondo. Mas ainda precisa de recursos. “Estou tentando mudar a cara do taekwondo.”
Cara que não muda no futebol feminino, que, após seu segundo pódio olímpico, vê brasileiras como estrelas nos EUA e na Europa, enquanto aqui o esporte espera ações concretas.
Com bronze a tiracolo, judoca diz sobreviver
“O que eu ganho hoje não dá para viver, e sim sobreviver.”
Dessa forma, a judoca Ketleyn Quadros desabafa ao falar sobre quais benesses desfruta devido à histórica medalha de bronze na categoria leve em Pequim -foi a primeira mulher do país a ir ao pódio olímpico em prova individual.
Sem patrocínio hoje, como antes da Olimpíada, a brasiliense só festeja o fato de estar ligada ao Minas Tênis Clube. “Eles dão hospedagem, alimentação e ajudam com a faculdade.”
Mas é só. Sem acompanhamento exclusivo de profissionais do esporte, como preparador físico, e sem dinheiro para comprar suplementos alimentares, Ketleyn, 21, diz que a gana de vencer e ajudar sua família -a mãe e mais duas irmãs, que vivem em Brasília- a motivam a melhorar nos tatames.
E a estimulam a seguir caminhando, literalmente, já que, sem carro, a atleta anda 40 minutos todos os dias do clube, onde vive em república, até a faculdade, em que cursa educação física, para evitar ônibus cheios e economizar dinheiro.
“Ajuda na preparação física”, brinca ela, que, não raro, cumpre o percurso de chinelos.
Certa de que ajudou a mudar a cara do judô no Brasil (“No meu clube, muito mais meninas treinam judô hoje”), Ketleyn diz levar o bronze olímpico a tiracolo. “É um amuleto. E não desistirei do esporte por causa dos problemas”, diz ela, que começou aos oito anos, com quimono feito pela mãe com tecido de saco.
Mariana Lajolo e Cristiano Cipriano Pombo
Folha de São Paulo