Meio-leve gaúcho conquista primeiro ouro para o Brasil no judô e é o 18º judoca da história a vencer os mundiais júnior e sênior
João Derly escreveu seu nome na história do judô brasileiro ao ser o primeiro judoca do país a conquistar a medalha de ouro no Campeonato Mundial. E ela veio em grande estilo: com um ippon com apenas 42 segundos de luta contra o japonês Masato Uchishiba, campeão olímpico em Atenas 2004. Com o feito, o gaúcho é o 18o atleta da história (entre homens e mulheres) a vencer os mundiais júnior (2000) e sênior. Esta já é a melhor participação brasileira em Mundiais, com o ouro de Derly e o bronze do meio-pesado Luciano Correa, ambos titulares também da equipe sub-25 do Brasil. São 15 pódios verde-amarelos na competição em todos os tempos.
“Foi genial. Estou pasmo!”, desabafou Derly, de 24 anos, que começou a praticar o esporte em 1988, no colégio Estadual Rio Branco, em Porto Alegre. “A vitória foi fruto da perseverança”, continua ele, que diz ter ficado ‘viajando’ ajoelhado no tatame após o fim do combate.
Derly enfrentou não apenas o adversário no tatame, mas uma barulhenta torcida organizada, com faixas trazendo o nome de Uchishiba e balões coloridos. Do outro lado, os atletas brasileiros gritaram a plenos pulmões para vencer a luta nas arquibancadas, apoiados pelos egípcios, fãs do Brasil.
“Dá pra sentir tudo de dentro do tatame. E é dessas coisas que a gente tem que tirar energia: quando é contra, puxar a seu favor. Quando é a favor, incentivar ainda mais. A cada golpe que eu dava no japonês, parecia que o ginásio todo estava do meu lado”, lembra Derly.
Derly e Uchishiba são velhos conhecidos. Com vantagem para o brasileiro. Em 2002, no Torneio de Paris, ainda na categoria ligeiro, os dois se encontraram, com vitória de Derly. Este ano, durante período de treinamento da seleção brasileira na França, novo contato de ambos.
“Fiz bons treinos com ele e quando soube que a final seria entre nós, entrei confiante. Nem lembrei disso quando pisei na área”, garante Derly, que considera chave a luta contra o cubando Yordanis Arencibia (bronze em Atenas 2004 e bronze nos três últimos mundiais). “Deu tudo certo. Aí vi que era meu dia. Depois que venci o georgiano, então, tive certeza de que ninguém me segurava mais”, completa o gaúcho que, de tanta emoção, não conseguia se lembrar após a luta com qual técnica havia jogado o japonês (uma catada de perna), depois de manda-lo ao chão outras duas vezes’.
O técnico Luiz Shinohara concorda.
“Se ele passasse do georgiano, tinha certeza de que seria campeão”, afirma o treinador brasileiro.
João Derly passou por momentos difíceis em sua carreira. Em 2002, ficou afastado por seis meses do judô por causa de um diurético tomado às vésperas dos Jogos Sul-Americanos. No ano seguinte, ainda no peso ligeiro, Derly disputou os Jogos Pan-Americanos, sendo derrotado nos dois combates. Com dificuldade em se manter com 60kg, passou por análise de nutricionistas, médicos, fisiologistas e técnicos da Confederação Brasileira de Judô e foi orientado pela comissão técnica da seleção brasileira a subir de categoria (66kg).
“Foi muito bom ter mudado de peso. Podia ter feito isso antes até, mas como era véspera de olimpíada, resolvi tentar segurar um pouco mais. Hoje, vejo que valeu a pena subir para o meio-leve”, diz Derly, que voltou a titular da seleção apenas este ano, conquistando o Campeonato Pan-Americano Sênior e o Torneio da Turquia. “A adaptação não foi muito rápida, pois muda a velocidade e a força. Estava acostumado a competir com seis quilos a menos”, acrescenta.
O técnico Antonio Carlos Pereira, o Kiko, que o acompanha desde os oito anos, também vê com bons olhos a troca de categoria.
“O meio-leve fez bem a ele. Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre acreditei no potencial do João e sabia que esta medalha estava reservada para ele. A festa vai ser grande quando ele chegar a Porto Alegre”, afirma o treinador gaúcho. “O Shinohara tem muitos méritos nesta medalha também. Nos falávamos toda semana para acertar o melhor caminho a seguir”, conta Kiko.
Derly acredita que sua medalha, a primeira do Brasil em mundiais de judô, pode ser um incentivo para todos os atletas.
“Abriu a porteira. Acabou aquela história que brasileiro não consegue ser campeão mundial. Espero que venham muitas outras”, diz Derly, que tirou inúmeras fotos, deu muitos autógrafos e entrevistas para franceses, japoneses e agências internacionais.
O gaúcho sabe, que daqui para frente, não terá vida fácil. Mas já faz planos para o futuro.
“Com certeza os adversários vão me estudar mais. Não tem problema, é motivação para treinar com mais vontade ainda”, afirma ele. “Não posso falar em Pequim ainda, pois não é porque sou campeão mundial que tenho vaga garantida na seleção. Mas é claro que uma medalha olímpica é o sonho de todo atleta”, completa.
Perfil:
Nome completo: João Derly Nunes Junior
Data e local de nascimento: 2/6/1981, em Porto Alegre, RS
Peso: 66kg
Altura: 1,64cm
Clube: Sogipa / Porto Alegre
Principais resultados: Campeão Mundial Sênior 2005 / Campeão Mundial Júnior 2000 / Campeão Pan-Americano 2005 / Campeão do Torneio de Istambul 2005 / Bronze nos Jogos Mundiais da Juventude 1998
Hobby: Surfe
Obs: A seleção brasileira desembarca no Galeão/RJ, às 6h do dia 14/9, quarta-feira.
OUTROS RESULTADOS:
Leandro Guilheiro deixou escapar, por segundos, sua medalha no mundial. Após vencer as três primeiras lutas (contra Tajiquistão, Grécia e Kazaquistão), o peso leve foi derrotado por Henri Schoeman, da Holanda, nas quartas-de-final. Guilheiro vencia por koka (pontuação mínima, marcada com punição para o adversário a oito segundos do fim), quando acabou falhando na aplicação de um golpe, o que resultou em um yuko para o holandês ao zerar o cronômetro. Na repescagem, passou pelo suíço David Papaux, mas acabou eliminado por koka (shido) pelo espanhol Kiyoshi Uematsu, a quem vencera em sua luta de estréia no caminho do bronze olímpico em Atenas 2004.
“Perdi uma chance de ir à final do Mundial”, repetia o judoca santista.
No feminino, Fabiane Hukuda começou com vitória sobre a inglesa Sophie Jhonstone por ippon. Em seguida, porém, foi derrotada por Telma Monteiro, de Portugal, no golden score (prorrogação), por shido/koka. Com a eliminação de Telma na luta seguinte, para a chinesa Ying Li, a brasileira perdeu a chance de ir à repescagem.
“É muito ruim depender dos outros. Mas a culpa foi minha, que não fiz o que deveria ter feito na hora certa”, lamentou a meio-leve.
Tânia Ferreira, por sua vez, perdeu as esperanças mais cedo. A atleta peso leve perdeu por ippon (imobilização) da americana Valerie Gotay logo no minuto inicial de luta e viu a chance de voltar ir embora com a derrota de Gotay para a coreana do norte Sun Hui Kye.
“Preferia ter pegado a coreana na primeira luta por exemplo, com a certeza de que voltaria na repescagem se perdesse”, disse Tânia.